No século XVIII, o soro do leite, hoje conhecido como whey protein, era tratado como um simples resíduo da produção de queijos. Sem utilidade comercial, esse subproduto era descartado ou utilizado apenas para alimentar animais. Foi apenas com o avanço do conhecimento e da tecnologia que se descobriu o alto valor nutricional do whey, transformando-o em um produto altamente desejado, essencial para atletas e entusiastas da saúde.
Esse exemplo histórico ilustra perfeitamente a lógica da economia circular e nos leva a refletir sobre os resíduos industriais de hoje. Assim como o soro do leite era negligenciado no passado, diversas indústrias descartam diariamente toneladas de materiais que poderiam ser reaproveitados. Dentre eles, destacam-se o poliuretano e a fibra de vidro, dois resíduos complexos que representam um grande desafio ambiental.
Atualmente, a capacidade de produção de fibra de vidro atingiu cerca de 9 milhões de toneladas por ano, com uma taxa de crescimento anual composta de cerca de 5%. O poliuretano, por sua vez, tem uma produção global que alcançou aproximadamente 24 milhões de toneladas em 2019 e sua demanda continua crescendo nos setores de construção civil, automotivo, móveis e eletrodomésticos.
No entanto, essa crescente produção resulta em uma grande quantidade de resíduos. Anualmente, milhões de toneladas de resíduos de poliuretano e fibra de vidro são geradas globalmente, provenientes de processos industriais dos mais diversos segmentos da indústria. A resistência do material à degradação natural e as limitações das técnicas de reciclagem atuais tornam a sua gestão um grande desafio ambiental.
Com inovação e visão estratégica, esses materiais podem ser reintroduzidos na cadeia produtiva, dando origem a novos produtos e reduzindo a extração de recursos naturais, um exemplo disso é a possibilidade de criar uma matéria prima diferenciada com esses resíduos, tendo aplicação nos mais diversos segmentos. Desde paineis decorativos até elementos de sinalização.
O desafio da economia circular não é apenas técnico, mas também cultural e econômico. A transição para um modelo mais sustentável exige investimentos em pesquisa e desenvolvimento, além de incentivos para empresas que apostam em soluções inovadoras. O mercado de reciclagem de plásticos, por exemplo, movimenta atualmente cerca de US$ 51,10 bilhões e tem potencial de crescimento significativo nos próximos anos.
Se no passado ninguém via valor no soro do leite, hoje ele movimenta uma indústria bilionária. O mesmo pode acontecer com os resíduos complexos que descartamos atualmente. A pergunta que devemos nos fazer é: quais são os “wheys” do nosso século? Que materiais estamos tratando como lixo que, no futuro, poderão ser essenciais para novos mercados? A resposta para isso pode estar na inovação, na pesquisa e na mudança de paradigma que a economia circular propõe.
Referências:
1. Mercado global de fibra de vidro
2. Mercado global de plásticos reciclados
3. Eficiência na utilização dos recursos e os resíduos
4. Os plásticos são uma preocupação ambiental e climática crescente
5. Oportunidades claras para dissociar a produção de resíduos do crescimento económico